Opinião: programas "policiais" difundem insegurança e violência


Diariamente, temos nossos lares invadidos por programas chamados de “policiais” (não pensamos que sejam dignos desse nome, pois são apenas programas sensacionalistas). A maioria dos canais abertos de televisão possui programas do gênero, muitos exibidos em horários estratégicos, como por volta do meio-dia, quando as famílias estão almoçando em frente a TV.

Segundo temos visto, esses programas, que se arrogam como jornalísticos, nada mais têm sido que divulgadores do pânico e da insegurança na população de modo geral. Seus apresentadores falam de caos e impunidade e, entre uma barbaridade e outra, vendem produtos e se promovem politicamente. Pior ainda, utilizam-se de concessão pública, que é a radiodifusão, para até mesmo transgredirem as leis, desrespeitando a dignidade das pessoas. Não é difícil ver tais apresentadores defendendo pena de morte ou dizendo frases como “bandido bom é bandido morto”.

Parece-nos que a escolha de quem é o “bandido” que deve ser morto é seletiva. Aqueles que cometem pequenos delitos, pobres, como os que são apreendidos com pequenas quantidades de drogas, serão entrevistados de forma sensacionalista, irônica, humilhante (Veja caso de emissora condenada por entrevista aqui); já os grandes empresários do tráfico, com esquemas internacionais, ricos, presos com grandes quantidades de drogas, terão a complacência desses programas e de seus apresentadores.

A TV Band Bahia foi condenada a pagar R$ 60 mil por danos morais coletivos depois que o programa "Brasil Urgente Bahia" exibiu, em 2012, uma entrevista feita pela jornalista Mirella Cunha, na qual ela zomba de um preso acusado de roubo e estupro. (Foto: UOL)


Duas pessoas diferentes cometem o mesmo crime: tráfico de drogas. Tratamento totalmente diferente para os dois. Para estes senhores, bandido bom é bandido morto, desde que seja pobre.

Além da seletividade, a espetacularização do sofrimento é recorrente nesses programas. Mortes violentas são apresentadas sempre como se fossem um espetáculo, algo que possa ser comercializado, que irá dar audiência. Os familiares dos mortos são sempre entrevistados em um momento de terrível dor como é o momento da perda de um parente próximo. Em vez de respeito, solidariedade com a dor alheia, os repórteres fazem perguntas moralistas, criminalizando as vítimas. (Veja matéria em que repórter de um desses programas tenta entrevistar um homem morto aqui).

Se são “envolvidos” com alguma atividade suspeita, a morte era esperada, a morte é legítima, não merece investigação. As lágrimas e a dor das centenas de mães pobres que perdem seus filhos para a violência urbana é o que irá garantir a audiência do programa. No final das contas, esses programas irão dizer quais vidas são dignas de serem vividas.

Esses apresentadores de programas sensacionalistas são perfeitamente retratados na figura do “Deputado Fortunato”, personagem do filme Tropa de Elite 2. Falastrão, Fortunato se elege deputado através da plataforma política que é o seu programa. Ele faz parte da “Bancada da bala”, que cresce, explorando e lucrando duplamente com a violência: por um lado, mescla publicidade ao sangue das vítimas, fomentando ódio e medo em muitas famílias; por outro, vai arrebanhando votos e conseguindo mandatos políticos, para, no final, proferir nas casas legislativas esse mesmo discurso ignorante contra os direitos das pessoas.

Ator André Mattos interpreta o Deputado Fortunato em Tropa de Elite 2 (Foto: divulgação)

Esse discurso não acrescenta nada à segurança pública. Não discute o modelo de sistema penal injusto em que estamos, não abarca a extensão do problema. É tão imediatista quanto os tais programas, que de policial não têm nada. O Brasil não precisa desses senhores que só sabem gritar bravatas e incutir medo na população. O Brasil precisa de um modelo de segurança pública que respeite à dignidade humana, de democracia, de justiça social, não de pessoas que queiram se promover por meio do sofrimento alheio.


*Artigo escrito por Renan Santos, acadêmico do curso de  Direito (UFC),  em parceria com Anderson Duarte, policial militar e doutorando em Educação (UFC). 

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2 comentários to ''Opinião: programas "policiais" difundem insegurança e violência"

Comentarios
  1. Faço parte da pequena parcela que acredita nos programas policiais como uma ferramenta de aproximação das comunidades mais pobres.

    Dificilmente você verá qualquer outra editoria entrando em uma favela, até por medo. O programa policial, além de não deixar que o nosso grande índice de homicídios caia no esquecimento, se tornou um registro necessário. Afinal, nas grandes redes de TV só é notícia a morte de gente rica. A morte pelo tráfico virou rotina e não "merece" ser noticiada.

    Assim como um problema de esgoto e de falta de iluminação dentro de uma favela também não "rende". As pessoas só visualizam a área nobre. A favela fica ali escondida, sem voz.

    A qualidade do jornalismo policial está péssima, isso concordo, mas precisamos de profissionais qualificados e essa mão de obra não é barata. Precisamos de jornalistas que não JULGUEM, mas noticiem. O julgamento cabe a Justiça.

    Acredito também, que a divulgação das prisões é importante, uma maneira de valorizar o policial, de mostrar a sociedade que a Polícia está trabalhando. Enfim, acho que o que dissemina a insegurança é sensação de impunidade, de ser preso hoje e solto amanhã, ciclo vicioso que também dá a sensação de "enxugar gelo".

    Por fim, relembro que o jornalismo factual do jornalismo policial também ajuda para evitar a disseminação dos boatos, tendo em vista que as redes sociais tem gerado uma onda de falsas informações.

    Mas realmente a maneira mais fácil é culpar a mídia, daí não é necessário se preocupar com políticas públicas, com educação, família, basta só dizer que a mídia é má, sensacionalista e manipuladora, ponto, tá tudo resolvido.

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  2. Faço parte da pequena parcela que acredita nos programas policiais como uma ferramenta de aproximação das comunidades mais pobres.

    Dificilmente você verá qualquer outra editoria entrando em uma favela, até por medo. O programa policial, além de não deixar que o nosso grande índice de homicídios caia no esquecimento, se tornou um registro necessário. Afinal, nas grandes redes de TV só é notícia a morte de gente rica. A morte pelo tráfico virou rotina e não "merece" ser noticiada.

    Assim como um problema de esgoto e de falta de iluminação dentro de uma favela também não "rende". As pessoas só visualizam a área nobre. A favela fica ali escondida, sem voz.

    A qualidade do jornalismo policial está péssima, isso concordo, mas precisamos de profissionais qualificados e essa mão de obra não é barata. Precisamos de jornalistas que não JULGUEM, mas noticiem. O julgamento cabe a Justiça.

    Acredito também, que a divulgação das prisões é importante, uma maneira de valorizar o policial, de mostrar a sociedade que a Polícia está trabalhando. Enfim, acho que o que dissemina a insegurança é sensação de impunidade, de ser preso hoje e solto amanhã, ciclo vicioso que também dá a sensação de "enxugar gelo".

    Por fim, relembro que o jornalismo factual do jornalismo policial também ajuda para evitar a disseminação dos boatos, tendo em vista que as redes sociais tem gerado uma onda de falsas informações.

    Mas realmente a maneira mais fácil é culpar a mídia, daí não é necessário se preocupar com políticas públicas, com educação, família, basta só dizer que a mídia é má, sensacionalista e manipuladora, ponto, tá tudo resolvido.

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