TROPA DE ELITE 2 – A LÓGICA DE UMA ECONOMIA QUE SUPLANTA O DIREITO
O filme Tropa de Elite 2 – O inimigo
agora é outro, do diretor José Padilha, nos mostra o funcionamento de um
sistema que tem por base interesses eminentemente econômicos. Revela-nos como o
aparelho estatal, principalmente os órgãos de Segurança Pública, tem suas
funções destinadas a outros fins, atendendo a necessidades de grupos que
manipulam o sistema a fim de angariarem benefícios próprios. É dentro dessa
perspectiva que a Economia realizada por estes manipuladores domina o Direito.
Mas como isso acontece em se tratando do filme em alusão? É o que iremos
analisar.
Francesco Carnelutti (2005) brilhantemente
nos mostra de forma simples essa relação entre Economia e Direito:
Mas, se o policial distingue o direito da moral, o
uniforme distingue o policial do bandido. Exatamente porque o bandido faz
simplesmente economia e o policial faz, pelo contrário, direito, arvora-se este
no signo de sua dignidade. Isto quer dizer que se o meio do qual tanto um
quanto outro se servem é sempre a força, o fim a que se destinam é diferente; o
bandido combate para si mesmo e o policial para os demais. O direito é,
pois, uma combinação de força e de justiça; e daí que em seu símbolo se
encontre a espada ao lado da balança. (grifo nosso)
O bandido ao usar a força, faz
simplesmente Economia, quando procura satisfazer necessidades próprias. O
policial, diferentemente, faz Direito quando se utiliza da força, colocando
esta a serviço da sociedade. No filme Tropa de Elite 2 essa relação fica
evidente à medida que o governo manda a Polícia combater o tráfico de drogas
nas favelas, deixando o "terreno livre" para os chamados
"milicianos". Com o poder que estes tem nas comunidades em que atuam,
muito mais fácil será conseguir votos – principal objetivo de políticos
corruptos que procuram a perpetuação no poder. Fica evidente agora como os
protagonistas desse "teatro da corrupção" atuam. Vejamos por etapas o
papel de cada grupo:
Cartaz do filme Tropa de Elite 2 |
Os "milicianos" são
geralmente policiais corruptos ou ex-policiais que cobram dinheiro de uma
determinada comunidade em troca de uma falsa sensação de segurança. Também
negociam nesta mesma comunidade serviços como TV a cabo pirata, Internet, venda
de gás de cozinha e água etc. Acontece que somente os "milicianos"
não possuem estrutura o bastante para "limpar a área", ou seja, para
dizimarem a "concorrência". Necessitam do braço armado do Estado, a
Polícia. Daí há uma troca de favores, um negócio simplesmente, no qual os dois
lados saem ganhando: o governo "limpa" a área com a Polícia visando
os votos dos moradores das comunidades que serão controladas pelos
"milicianos" e o povo fica obrigado a votar em quem eles querem. Os
"milicianos" então ficam livres para "trabalhar". Há ainda
a questão de como "limpar" essa área sem chamar muita atenção. É aí
que se forjam ataques a delegacias e outros crimes, atribuindo-os a traficantes
da área a ser "pacificada". A imprensa sensacionalista também tem um
papel importante, quando os famigerados "programas policiais"
justificam a ação do governo e da Polícia.
Agora sim podemos observar mais
claramente como tudo se volta para uma questão econômica: os
"milicianos" querem mais dinheiro e se vêem impedidos pela
"concorrência". O governo auxilia com o braço armado, querendo os
votos dos moradores das comunidades controladas pelas milícias, objetivando o
poder perpétuo. A imprensa justifica as ações de "limpeza" através
dos meios de comunicação de massa querendo mais audiência. No meio disso tudo
ficam os policiais achando que estão "cumprindo a missão", e o povo,
apático e alheio aos acontecimentos, achando que está tudo bem. Na verdade, o
povo também faz Economia, já que se utiliza dos serviços ilegais dos
"milicianos", malgrado a coerção imposta por estes àquele. Quem
parece fazer Direito são os policiais, que cumprem a missão, pelo menos os bons
policiais, que o filme quer deixar transparecer na figura no Tenente Coronel
Nascimento. Conveniente também lembrar o papel de ativistas, por vezes
alcunhados de "sonhadores", na luta por direitos humanos e justiça,
como é o caso do professor Fraga.
O enredo do filme Tropa de Elite 2
não é muito diferente do que acontece no restante do País. A Polícia (Civil e
Militar) quase sempre é utilizada como "polícia política", no sentido
de que os programas para redução da criminalidade são utilizados como
ferramentas de campanha ou como formas de beneficiar amigos através de
licitações fraudulentas para aquisição de veículos e equipamentos. A Segurança
Pública é o coração desse sistema famigerado, haja vista os serviços de
inteligência disponíveis e a própria coercibilidade armada institucionalizada a
atender os interesses vis dos que se dizem "representantes" do povo.
Diante do exposto, ficam as
indagações: sabendo dessa situação que permeia o sistema estatal, deve o
policial cumprir simplesmente sua missão sem questionar a real finalidade da
mesma? Deve ser o mesmo pura e simplesmente "elemento de execução"
das missões dadas? Qual o comando o policial deve seguir, o do político que
visa apenas Economia, ou do povo, que espera que este mesmo policial faça valer
o Direito?
No final do filme há uma cena
interessante, na qual vislumbramos Brasília, o centro do Poder no País. Aí os
interesses são maiores e a Economia praticamente devora o Direito. Este resta
lembrado na bandeira que tremula solitária no centro do sistema...
Referências
CARNELUTTI, Francesco. Como nasce o
Direito. Tradução de Hiltomar Martins Oliveira.Livraria Líder e Ed. LTDA.
Minas Gerais: 2005.
* Artigo escrito por Rainer Riedel, Graduando em Direito pela FGF – Faculdade Integrada Grande
Fortaleza e Soldado da Polícia Militar do Ceará
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