Sou policial e fui filmado durante uma abordagem. E agora?
Em primeiro lugar, sinta-se
feliz. Se o cidadão filma o trabalho policial, é porque exerce o seu papel de
fiscalizador dos serviços públicos pagos com seus impostos. Você, ao ostentar símbolos,
uniformes, equipamentos e armamentos fornecidos pelo Estado, está sujeito a
essa fiscalização a qualquer momento. Ela
é fundamental em uma democracia de fato, porque lembra quem são os verdadeiros “chefes”
dos serviços públicos. Essa fiscalização também pode ser considerada parte da “responsabilidade
de todos” na segurança pública, prevista
no artigo 144 da Constituição Federal.
Filmar policiais não é ilegal. (foto: Jawbraker.nyc) |
Não cabe, portanto, sentir-se afrontado pela filmagem e indagar por que o mesmo cidadão não filma alguém que está cometendo crimes. Ele
não o faz porque não sabe do caráter ou das intenções daquele indivíduo e, por
isso, tem medo. Já do policial, servidor do povo por função, ele espera somente
ações corretas e, por isso, filma sem temor. Isso não significa, em hipótese
alguma, ser contra a polícia.
Entretanto, se achar
que o vídeo pode ajudar em alguma investigação ou que a pessoa que filmou
poderia ser arrolada como testemunha, você, como policial honesto que é, pode
pedir ao cidadão que se identifique verbalmente ou através de seus
documentos oficiais, os quais ninguém tem a obrigação de portar, a não ser em
situações específicas, como no caso da Carteira Nacional de Habilitação (CNH)
para dirigir. O que existe é o dever legal do cidadão fornecer às autoridades,
quando solicitado, dados sobre seu domicílio, profissão e outros concernentes à
própria identidade, sob pena de ter sua conduta enquadrada no artigo 68 da Lei de Contravenções Penais. Ao final da ocorrência, relate a existência do vídeo
nos documentos pertinentes, como boletim de ocorrência, relatórios ou
similares.
É importante lembrar
ainda que quando o artigo 206 do Código de Processo Penal afirma que “a
testemunha não poderá eximir-se da obrigação de depor”, ele está se referindo à
testemunha oficialmente convocada para comparecer perante a autoridade
judicial ou policial (encarregada de inquérito). Até mesmo uma condução
coercitiva pela autoridade policial só é realizada quando ocorre o não
comparecimento após intimação.
Lembre-se também que
no atual ordenamento jurídico brasileiro não existe prisão para averiguação.
Pelo contrário, tal procedimento, típico do período da ditadura, constitui-se em
atentado grave à liberdade de locomoção, previsto como abuso de autoridade e sujeito
a punições. A interceptação e violação de comunicações, a exemplo de caso em
que o agente lê mensagens privadas em aplicativos para telefone celular em
busca de “provas”, também pode constituir abuso de autoridade, por violar os
sigilos das comunicações telefônicas e de internet, ambos protegidos.
Finalmente, cabe a
você, policial filmado, a tranquilidade e o profissionalismo de realizar o seu
trabalho conforme a lei, sempre respeitando as garantias e as liberdades e,
principalmente, tendo o princípio da dignidade humana como regra de ouro na
hora de agir. Uma ação policial executada conforme os melhores parâmetros
legais, técnicos e éticos não gerará problema algum se for filmada; pelo
contrário, apenas confirmará a excelência do trabalho prestado e a
transparência das instituições, indispensáveis em um Estado Democrático de
Direito.
P.S. 1 (06.09.2017): O texto acima foi dedicado à grande maioria dos policiais, formada por trabalhadores honestos e bem-intencionados. Além disso, refere-se à filmagem e não à exposição dos vídeos em redes sociais ou mídia, que é outra questão.
P.S. 2 (06.09.2017): Recebemos um elucidativo vídeo com um comentário do comandante geral da PMES sobre intimidação de pessoas que filmavam uma abordagem policial. Veja abaixo (a partir de 3:20):
Ótimo texto...contudo a concretização disso se dá em outros parâmetros...o da ameaça e o da exposição gratuita. De ambos os lados. Não é tão romântico assim a coisa.
ResponderExcluirIsso é o ideal...algo a ser alcançado...Bem é a divulgação deste tema, parabéns aos policiais pensadores.
ResponderExcluirSe ambos lados nada estiverem fazendo de errado, não há o que temer.
ResponderExcluirParabéns...policial enquanto agente público do Estado, não deve temer as filmagens, já que estão trabalhando de forma correta. Estão representando o ESTADO e quando ingressaram na corporação já sabiam disso.
ResponderExcluirÓtimo texto.
ResponderExcluirParabéns pelo texto, muito elucidativo. Infelizmente a maioria das pessoas que filma as ações da PM e PC buscam as falhas para criticar o trabalho daqueles que garantem a segurança pública.
ResponderExcluirNesse caso aqui "A interceptação e violação de comunicações, a exemplo de caso em que o agente lê mensagens privadas em aplicativos para telefone celular em busca de “provas”, também pode constituir abuso de autoridade, por violar os sigilos das comunicações telefônicas e de internet, ambos protegidos"
ResponderExcluirJá existe decisão do STF onde não é violação ver mensagens no aparelho apreendido com o bandido.