Livros para pensar: Laranja Mecânica

Isso era tudo. Eu estava condenado. E só tinha quinze anos”. Assim termina a primeira parte da narrativa do adolescente Alex, o anti-herói de um dos mais instigantes romances da língua inglesa, publicado pela primeira vez em 1962 e adaptado para o cinema por Stanley Kubrick em 1971. Apesar de mais de 50 anos de idade, ele continua extremamente atual, especialmente em tempos de debate sobre a redução da idade penal.

O romance se passa na Inglaterra, em um futuro próximo, embora não datado. Neste ambiente, há uma grande onda de violência urbana, com a presença de várias gangues juvenis, como a de Alex e seus druguis (amigos, no dialeto Nadsat, utilizado pelos adolescentes). Logo no início da história, eles estão, como de costume, na Leiteria Korova, onde bebem uma mistura de leite com drogas e, de lá, partem e passam a noite vagando pelas ruas em busca de diversão, através daquilo que chamam de ultraviolência.

Alex e seus druguis no filme de Stanley Kubrick

Como resposta ao problema da violência, emerge um governo totalitário, que entre os métodos utilizados, recruta jovens violentos para a polícia (inclusive ex-membros da gangue de Alex) e, principal bandeira do governo, propõe-se a resolver a questão relacionada à política criminal e carcerária. A nova visão fica evidente na fala do Ministro do Interior, proponente das reformas: “O Governo não pode se preocupar mais com teorias penológicas datadas. Empilhe criminosos juntos e veja o que acontece. Você obtém criminalidade concentrada, crime no meio do castigo”. A solução para o problema da recuperação dos detentos é um tipo de terapia psicológica, para a qual Alex se voluntaria.

Tratamento Ludovico é o nome dessa terapia, que envolve o uso de drogas (a injeção que Alex recebia) e a exposição a imagens violentas em uma tela. A crítica aí é claramente ao Behaviorismo, mas como não lembrar das propostas contemporâneas dos “reformadores dos sistema penal” da direita, como a castração química? (Veja a tal proposta aqui).

Tratamento Ludovico na visão de Angeli em edição comemorativa aos 50 anos de Laranja Mecânica
Fato interessante é que a versão original do livro de Anthony Burgess possui 21 capítulos, sendo que no último capítulo há uma espécie de reflexão por parte de Alex, que, após passar pelo Tratamento Ludovico e conseguir recuperar seu livre-arbítrio e os comportamentos violentos, chega sozinho à conclusão de que deveria mudar e amadurecer. Isso após ver outro ex-membro de sua gangue, que havia casado e tido um filho. A intenção do autor era afirmar a idade adulta aos 21 anos.

A versão original do livro de Burgess foi modificada nos Estados Unidos e perdeu o último capítulo. Segundo o próprio Burgess, em entrevista: “A opinião implícita de que a violência juvenil é uma fase para se atravessar e depois superar está ausente da edição norte-americana; e isso reduz o livro a uma simples parábola (...)”. O filme de Kubrick baseou-se nesta versão estadunidense.  (Veja uma crítica do filme aqui)

Alex interpretado por Malcolm McDowell em 1971

A leitura deste genial romance nos mostra um futuro sombrio, onde violências individuais e violências de Estado entram em zona de indistinção. Um alerta para nossos dias.

Laranja Mecânica: Capa
Livro: 

Burgess, Anthony. Laranja Mecânica. Tradução de Fábio Fernandes. São Paulo: Aleph, 2014.


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