Sobre a prisão de policiais como procedimento (falso) de resolução do problema da violência de Estado.
Na última terça-feira, 30/08, o juiz titular da 1ª Vara do júri do Ceará
decretou a prisão preventiva de 2 oficiais e 43 praças da Polícia Militar do
Ceará, denunciados pelo Ministério Público pela participação na chamada Chacina
da Messejana. (Veja notícia aqui).
Para pensar um pouco sobre este fato, o Policial Pensador traz duas
opiniões que, embora escritas no ano de 2015, servem perfeitamente de
ferramenta para compreendermos o complexo problema que envolve a chamada
“violência policial”.
A primeira opinião é da juíza (aposentada) Maria Lúcia Karam, presidente
da Leap-Brasil,
que em artigo intitulado “Violência, militarização e ‘guerra às drogas’”, chama
a atenção para as reivindicações feitas a partir das notícias de casos de
violência cometida por agentes do Estado:
Questionamentos em torno da violência
praticada por agentes do Estado brasileiro costumam se concentrar na ação de
policiais, especialmente policiais militares que, encarregados do policiamento
ostensivo, são colocados na linha de frente da atuação do sistema penal.
Atuações do Ministério Público e do Poder Judiciário passam ao largo. Tampouco
se mencionam governantes, legisladores, órgãos de mídia e a própria sociedade
como um todo.
Quando algum ato violento praticado por
policiais adquire especial repercussão – o que acontece apenas quando a
ocorrência alcança dimensões espetaculosas ou quando o atingido é visto como
‘inocente’ ou ‘digno de vida’ –, logo surgem reivindicações de severa punição a
algum identificado policial apontado como autor do específico ato, todos se
satisfazendo no encontro do ‘bode expiatório’ capaz de personalizar a aparente
causa da violência. A sempre conveniente busca do “bode expiatório” também se
manifesta em questionamentos mais genéricos. Nesses casos, o ‘bode expiatório’
é coletivizado, generalizadamente identificado nos integrantes das polícias
militares estaduais. (KARAM, 2015, p. 33-34).
A juíza continua seu artigo de opinião, explicando que:
Sem o fim da proibição às
arbitrariamente selecionadas drogas tornadas ilícitas, sem o fim da ‘guerra às
drogas’, qualquer proposta de desmilitarização das atividades policiais será
inútil. Sem o fim dessa insana, nociva e sanguinária política, não haverá
redução da violência, quer a praticada e sofrida por policiais, quer a
praticada e sofrida por seus oponentes. (KARAM, 2015, p.38).
Já o delegado Orlando Zaccone, também integrante da Leap-Brasil, inicia
seu livro “Indignos de Vida” com uma conclusão, a qual fica explícita ao longo
da obra:
A violência policial não é um erro de
procedimento de alguns policiais despreparados. É uma política de Estado no
Brasil, que recebe o apoio e o incentivo de parcela da sociedade. Punir
policiais que são identificados no abuso do uso da força, inclusive a letal,
não irá resolver o problema. Muito pelo contrário, punir os policiais é a forma
que o Estado tem de não se comprometer com a sua própria política. (ZACCONE,
2015).
A prisão dos policiais militares, ainda que lamentável, é uma
oportunidade de reflexão. Os policiais que acreditam no sistema penal, cuja
principal ferramenta é o encarceramento, percebem agora que, como fazem parte
da mesma classe que são colocados para perseguir, sob pretexto da ‘guerra às
drogas’, também podem ter garantias e direitos básicos desrespeitados quando se
fizer necessário preservar este mesmo sistema. Por outro lado, ativistas de
esquerda (seria melhor dizer esquerda punitiva), que comemoram as prisões,
mostram que não compreendem a seletividade e o apelo midiático de tais
procedimentos, acabando por fortalecer aquilo que dizem condenar.
Que essas reflexões sirvam de bússola para aqueles que comemoram as
prisões dos policiais, que também são vítimas, como se elas significassem
justiça ou resolução do problema da violência.
Referências
KARAM, Maria Lúcia. Violência, militarização e ‘guerra às drogas’. In:
____ et. al. Bala Perdida: a violência policial no Brasil e os
desafios para sua superação. São Paulo: Boitempo, 2015. p. 32-38.
ZACCONE, Orlando. Indignos de vida: a
forma jurídica da política de extermínio de inimigos na cidade do Rio de
Janeiro. 1 ed. Rio de Janeiro: Revan, 2015.
Artigo muito coerente! 👏👏👏
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluir