Policiais são heróis?


O Policial Pensador já publicou um texto em que problematiza o discurso que compara policiais a “sacerdotes”, atribuindo ao trabalho policial  uma vocação divina, dizendo que só aqueles chamados por Deus suportariam tal trabalho. Segundo a crítica que foi feita, tal narrativa serve, na prática, para que policiais suportem abusos, assédios e más condições de trabalho, inclusive mantendo tudo isso em segredo. Ou seja, é um discurso de dominação.

Outra imagem bastante utilizada para designar os policiais é a do herói. “Heróis da vida real”, “de carne e osso”, “de farda”, “anônimos”... Outros, em contraponto à canção de Cazuza, afirmam: “meus heróis não morreram de overdose, eles usam farda...”.  As variações de tal discurso são grandes, mas sempre trazendo a mitologia do herói para a narrativa sobre o policial.

Mas será que afirmar que policiais são heróis é mesmo uma boa estratégia de valorização dessa profissão? Esse discurso, ativado especialmente sempre que morre um policial, tem de fato resultado em melhorias para essa categoria, tão especial e ao mesmo tempo tão desprezada de trabalhadores? Pelo que tenho visto, penso que não.

Entendo que a intenção seja a melhor possível, inclusive sensibilizar a opinião pública para a necessidade de reconhecimento desses profissionais, cuja rotina envolve um trabalho difícil, arriscado, cansativo e pouco valorizado. No entanto, colocar a categoria policial no panteão dos heróis tem significado retirá-la do rol das profissões. O resultado é que tais profissionais acabam não sendo considerados trabalhadores como os demais, o que causa uma separação e até uma oposição no momento de reivindicações por direitos.

A mitologia do herói e a religião
Ora, aos heróis é justo pedir sacrifícios, inclusive de direitos e da própria vida. Daí a proximidade com o discurso messiânico religioso. Heróis, ainda que “de carne e osso”, não devem querer ganhos pessoais, contentando-se simplesmente em “fazer o bem e lutar contra o mal”. É por isso que, enquanto os policiais aceitarem tal discurso, permanecerão sendo considerados heróis do tipo “Batman – o cavaleiro das trevas”, que a qualquer momento pode ser considerado vilão pela “sociedade ingrata”.

Batman - o cavaleiro das trevas

Em um Estado Democrático de Direito, o trabalho policial é um dos mais importantes. São as polícias que mantém as leis, mediam os conflitos e atendem a população em suas urgências. Os poderes executivo, legislativo e judiciário precisam das polícias para executar as suas funções. Entretanto, enquanto juízes, promotores e legisladores ganham salários, direitos e regalias exorbitantes, os trabalhadores policiais são desvalorizados profissionalmente, aviltados em seus direitos e têm que se contentar simplesmente com o tal discurso mitológico do herói...


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Um comentário to ''Policiais são heróis?"

Comentarios
  1. Mas, usando o exemplo do Herói de Joseph Campbell, o policial deveria passar por uma serie de provações e retornar mais forte e realizado profissionalmente. Individualmente não vemos isso acontecer, o policial sai de casa troca tiros e morre, ou sobrevive e volta ao ponto de onde partiu sem a gloria. O discurso de messias ou "soldado universal" (quando ensinam na academia que o policial é o melhor e mais operacional entre os seres humanos) não se sustenta sem as cordas da marionete que o comando usa. É um grande teatro, mas alguém precisa encenar, não é mesmo?

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