Democratizando as Polícias
Na nova ordem política brasileira,
instaurada a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988, muitas
inovações foram criadas, com vistas a adequar as estruturas do Estado ao novo
momento democrático que a sociedade desejava. Isso ocorreu com os sistemas de
saúde, educação, assistência social e outros, que desde então vêm sendo
aperfeiçoados.
Um sistema, entretanto, ficou
praticamente inalterado, apesar de sua importância: a segurança pública. Não
bastasse a continuação da fracassada “guerra às drogas”, pontificada como
principal estratégia de orientação do policiamento, a estrutura das polícias
continuou praticamente a mesma que funcionou durante os períodos anteriores,
especialmente durante a ditadura militar, mesmo com as novas exigências
impostas pela (re)nascente democracia.
É urgente, portanto, desmilitarizar
a política de segurança pública. Isso significa reconhecer que segurança não é
apenas a não ocorrência de crimes e, muito menos, é garantida por meio de um
maior número de armas. A segurança é, na verdade, a certeza de que todos os
direitos inerentes ao cidadão, como a vida, a liberdade, a saúde, a educação, a
moradia, o trabalho e o lazer, serão totalmente garantidos pelo Estado. Logo, o
cidadão seguro é aquele com seus direitos garantidos, efetivados e assegurados.
O que deve ser feito, então, com as
polícias, para torná-las mais adequadas à democracia que queremos e a uma nova
política de segurança? Há passos importantes a serem dados, sendo fundamental, nesse
processo, o diálogo permanente com os integrantes dessas corporações.
Em primeiro lugar, há a necessidade
de se rever a aplicação dos códigos penal militar e de processo penal militar
às polícias ostensivas e corpos de bombeiros estaduais, com adequação a um
modelo mais republicano. Do mesmo modo, é preciso acabar com as prisões
disciplinares e regulamentar a carga horária, semanal e mensal, de serviço
desses profissionais. Nada justifica a manutenção de regras próprias para uso
em forças treinadas para a guerra na atividade de segurança pública, cujo
caráter é eminentemente civil.
Nossas polícias estaduais, civis e
militares, possuem trabalho bipartido, ambas executando apenas parte do serviço
policial. Uma delas, a polícia militar, faz policiamento ostensivo e
preventivo, utilizando uniformes e viaturas facilmente identificáveis, enquanto
a polícia civil faz trabalho de investigação e produção do inquérito policial,
de utilidade duvidosa, para remetê-lo ao Ministério Público e ao poder
judiciário. Temos, na verdade, um modelo de "meias polícias", que
precisa ser superado, em prol de uma maior celeridade no serviço oferecido ao
cidadão. O ciclo completo de polícia seria, portanto, a solução a ser aplicada
para o caso, podendo a divisão de competências das polícias ser feita tanto por
critério territorial como por gravidade de crimes.
Outro passo fundamental é o fim das
carreiras bipartidas nas polícias. Policiais que ingressam nas bases das
corporações, tanto das polícias civis quanto das polícias militares, não
conseguem acessar os cargos de chefia e direção das instituições, o que se
torna ainda mais grave quando há um abismo salarial gritante entre essas
carreiras, gerando frustração, diminuindo o sentimento de camaradagem e empatia
entre os profissionais, e possibilitando o aumento do autoritarismo que, afinal,
deságua no cidadão.
Há que se falar ainda na
necessidade de se ter órgãos periciais independentes das outras polícias,
garantindo isenção e imparcialidade nos exames realizados, bem como nas guardas
municipais, cada vez mais presentes e fundamentais no papel de prevenção e
orientação cotidiana para a cidadania.
O caminho rumo a uma nova política
de segurança, em uma sociedade mais justa e igualitária, é longo, mas toda caminhada
começa com os primeiros passos. Com trabalhadores policiais, movimentos sociais
e a sociedade andando juntos e dialogando, chegaremos lá.
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