As bruxas e a ciência na segurança pública
Há um conhecido ditado espanhol que diz “yo no creo en
brujas, pero que las hay, las hay”, que pode ser traduzido como “eu não
acredito em bruxas, mas que elas existem, existem”. Já no Brasil dos anos 2000, em um comercial de
TV sobre um modelador corporal elétrico, cuja eficácia rápida prometida talvez
gerasse dúvidas, uma atriz ostentava sua forma física, enquanto dizia: “Não é feitiçaria, é tecnologia”. Tal bordão, à época, ficou quase tão famoso quanto o
ditado galego. Em comum às duas expressões, a oposição entre a crença, que
muitas vezes finge ser cega, e a forma científica de comprovação dos fatos.
Esse conflito foi, durante anos, o dilema de um dos
campos mais sensíveis da sociedade brasileira, que é a segurança pública. Por
muito tempo, perdurou nele a crença em ideias fixas que, até então, não tinham
qualquer comprovação ou refutação científica. Tais ideias voavam como bruxas
sobre as cabeças de pessoas que, infelizmente, tiveram oportunidade de formular
e executar políticas públicas.
Um exemplo clássico é o da taxa de homicídios. Acreditava-se,
por um lado, que a importante e necessária redução das desigualdades sociais
redundaria magicamente em diminuição do índice daqueles crimes contra a vida.
Por outro, pensava-se que o encarceramento era o caminho encantado para a
redução da violência letal. Encarceramos muito – chegamos a dobrar nosso número de encarcerados entre os anos de 2005 e 2016 –, ao mesmo tempo em que
melhoramos o indicador social da desigualdade nos últimos 15 anos, e isso não
foi suficiente para chegarmos a níveis menos trágicos. Ainda há quem acredite nesses mitos, mas as
análises científicas ao longo da última década têm mostrado que é preciso muito
mais, já que o crime possui múltiplas causas e, por isso, exige respostas
complexas.
Dois gráficos abaixo mostram que tanto a desigualdade (medida pelo Índice de Gini) diminuiu, como a taxa de encarceramento (número de encarcerados por 100 mil habitantes) aumentou, tal como pregavam as ideologias e, mesmo assim, não houve diminuição substancial da taxa de homicídios:
Gráfico 1: Taxa de Homicídios e Índice de Gini no Brasil
Gráfico 2: Taxa de encarceramento no Brasil
Em outra encruzilhada entre o pensamento mágico e a
ciência está agora o Estatuto do Desarmamento.
Sabe-se, por meio de muitas pesquisas científicas, inclusive de instituições internacionais, que o aporte de armas em uma comunidade tem como efeito provável
o aumento da taxa de homicídios. Além disso, há pesquisas que dão conta de como a efetivação dessa lei, que controlou e regulamentou o acesso às armas no Brasil a partir do ano de 2004, freou o crescimento vertiginoso do número de mortes letais que aqui se projetava. Uma dica para entender o tema é buscar ver quem assina o “Manifesto dos pesquisadores contra a revogação do Estatuto do Desarmamento”. São pesquisadores com credibilidade na comunidade científica, fruto de anos de trabalho. Mesmo assim, há quem proponha
revogar ou enfraquecer aquele diploma legal, crendo, sem qualquer motivo fundamentado,
que melhorias virão, como em um passe de mágica.
No Ceará, de onde escrevo, o dilema entre fantasia e pesquisa
científica está resolvido. O atual governo do estado criou, em maio deste ano
de 2018, a Superintendência de Pesquisa e Estratégia de Segurança Pública do Estado do Ceará (SUPESP), priorizando o discurso científico em detrimento da
mistificação. A tendência, agora, é que se tornem cada vez menores as chances de
que crenças, em bruxas ou em qualquer outro mito, tenham espaço na Terra da Luz.
façam uma conta no Twitter. podcasts,canal no youtube.....
ResponderExcluirPrezados, bom dia!
ResponderExcluirGostaria de saber o que houve com a página do Policial Pensador no Facebook. Era o principal canal pelo que eu acompanhava boas discussões a respeito de segurança pública, além de poder compartilhar com mais facilidade com amigos. Fiquei até preocupado pensando que algo ruim pudesse ter acontecido.
Além disso, estou participando de um movimento em Minas Gerais que está criando uma rede entre vários coletivos. Até o momento já temos interessados em 16 municípios. Um dos eixos que pretendemos discutir é o da segurança pública e gostaríamos de saber se vocês do Policial Pensador podem nos ajudar. Às vezes alguém poderia participar de nosso grupo de Whatsapp, ou indicar algum policial daqui de Minas Gerais que pode nos auxiliar.
Obrigado,
Everson Elias.