Rio de Janeiro: intervenção é a solução?
No último dia 16 de
fevereiro, Michel Temer publicou um decreto de intervenção federal na segurança pública do estado do Rio de Janeiro. É a primeira do tipo desde a promulgação
da Constituição Federal de 1988. Talvez por isso, o ato suscitou muitas dúvidas
sobre seus efeitos não apenas sobre a população, mas também sobre o próprio
Estado Democrático de Direito. Entre exageros, reais preocupações e elogios à
medida, o Policial Pensador expõe aqui o seu ponto de vista sobre o assunto.
Em primeiro lugar, é
preciso dizer que embora os efeitos iniciais e visíveis – especialmente a
presença do Exército nas ruas – não seja uma novidade no Rio de Janeiro,
acostumado às muitas operações de GLO (Garantia da Lei e da Ordem), a forma
jurídica da intervenção é nova em nossa recente democracia e traz novas
possibilidades e cenários. Primeiro porque o interventor terá os poderes do
governador do estado. Ou seja, não se trata de apenas um reforço nas polícias e
na segurança pública, sob o comando do chefe maior do estado. O artigo 3º do
decreto diz que “as atribuições do interventor são aquelas previstas no art.
145 da Constituição do Estado do Rio de Janeiro necessárias às ações de
segurança pública”, previstas no título V daquela mesma constituição. Acrescenta
ainda o § 4 que aquelas atribuições sem relação direta ou indireta com a
segurança pública permanecerão sob a titularidade do governador. Se for
utilizada uma definição ampla de segurança pública, a qual extrapola muito as
funções das polícias, podemos dizer que não sobra qualquer atribuição para o
governador do estado sob intervenção.
Se houvesse essa
concepção ampliada de segurança pública, isso seria uma ótima notícia! Teríamos
intervenção de segurança pública nas comunidades, trazendo novas escolas, opções
de lazer, postos de saúde com equipes multidisciplinares presentes todos os dias,
editais de cultura e arte, oportunidades de cursos de formação profissional e
cobertura social para aquelas pessoas sem qualquer renda própria. Isso tudo é
segurança e desenvolveria as potencialidades sociais das comunidades que hoje
são tidas como problemáticas. Lamentavelmente, penso, baseado em experiências anteriores de GLO naquele estado (Para citar algumas: Eco-92, Operação Rio, em
1994; Copa das Confederações, em 2012; Copa do Mundo, em 2014; e Jogos
Olímpicos, em 2016), que a ideia da intervenção não é esta.
Com isso em vista, é
preciso reafirmar que a utilização do Exército como se fosse polícia é cara,
ineficaz e, consequentemente, ineficiente. Os militares federais, cuja
finalidade principal é a defesa da pátria e a garantia dos poderes, não possuem
treinamento adequado para agir como policiais, não conhecem as áreas em que
atuarão e, se tiverem que entrar em todas as comunidades, inclusive aquelas sob
conflitos, correm o risco de perder sua alta credibilidade perante a população,
já que além de não conseguirem resolver os graves problemas sociais que levam aqueles
lugares ao caos na segurança pública, terão que apontar suas armas e disparar
contra seus compatriotas. Qualquer militar minimamente conhecedor das doutrinas
de uma força de defesa da soberania nacional sabe que isso é uma temeridade.
Como o interventor
terá o comando das polícias, um dos argumentos utilizados em favor da
intervenção é o de que ela poderá retirar policiais corruptos de posições estratégicas,
como comando de unidades operacionais ou delegacias, ou chefes de milícias. Tenho
dúvidas sobre a eficácia da ação para resolver esse problema. Investigações de
corrupção demandam ações de inteligência, silenciosas e com tempo estendido,
para que se formem os elementos de convicção que levem a uma suposta
condenação. Seria uma ação a ser realizada pela Polícia Federal, em conjunto
com o Ministério Público, em um prazo bem mais elástico que os 10 meses
previstos no decreto.
É importante lembrar que
o estado do Rio de Janeiro não possui as maiores taxas de homicídio ou de violência
que justifiquem a necessidade e a proporcionalidade de uma medida legal extrema
como a intervenção. Estados do Nordeste estão com taxas bem mais altas e não
recebem a mesma atenção. Que a situação é grave no Rio de Janeiro, não há
dúvidas. Há muito tempo já foi denunciado o fracasso das políticas de segurança levadas adiante ao longo de décadas naquele estado. A guerra às drogas causada
pelo proibicionismo é o grande pano de fundo para o verdadeiro massacre que se
promove em nome da impossível tarefa de erradicar um problema comercial e de
saúde pública.
Imagem publicada pelo Policial Pensador |
É preciso tentar
novas alternativas, como a regulamentação da produção, do comércio e do consumo de substâncias
consideradas ilícitas, o investimento em inteligência policial e em controle
externo das corporações e, principalmente, a ampliação do conceito de segurança
pública, levando-a ao patamar de segurança social. Fora disso, fica em xeque a
real intenção da intervenção: o objetivo é diminuir a violência ou angariar
capital eleitoral através de ações paliativas que evidenciam o populismo na segurança pública?
Excelente texto, claro, racional e profundamente ético, sem vaidades institucionais. Parabéns ao autor !
ResponderExcluirQuando o autor, no 4º parágrafo, diz "Os militares federais, cuja finalidade principal é a defesa da pátria e a garantia dos poderes", mesmo sem querer, ele justifica a intervenção. O que acontece no Rio de Janeiro coloca em cheque não só a atual política de segurança pública, mas também a soberania nacional - o estado deixou de ser soberano, para ser um poder paralelo ou crime organizado.
ResponderExcluirNo penúltimo parágrafo onde é afirmado que "Estados do Nordeste estão com taxas bem mais altas e não recebem a mesma atenção" não está sendo considerada a criminalidade como um todo. Desafio-lhe a citar outro estado brasileiro onde se vê bandidos assaltando de fuzil; munições traçantes rasgando o céu de uma comunidade para outra; tantos locais onde o estado não entra não só porque não quer, mas porque não é mais permitida a entrada.
O Rio concentrou, no ano passado, mais de 40% de todas as mortes de policiais do Brasil. Se isso não é uma guerra, deveríamos nos preocupar mesmo era com mudar o conceito dessa palavra.
A intervenção pode até ser um ato político, mas não deixa de ser extremamente necessária.
Sim, estamos em uma guerra há muito tempo, mas se continuarmos usando os remédios errados num país que, após o golpe só tem aumentado as desigualdades e as injustiças sociais enquanto fere a Constituição é blinda os corruptos, so pioramos a barbárie que vivemos...
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