“SER OU NÃO SER, EIS A QUESTÃO”: UM OLHAR SOBRE A “SUBJETIVIDADE MILITAR”

     Ser um policial militar no Brasil é fazer parte de um mundo cultural sui generis, dadas as condições que regimentam as instituições PM’s. Tal fato me leva  a recordar, pois, da metáfora do pato esboçada na obra de Róbson Rodrigues da Silva, “Entre a caserna e a rua: o dilema do pato”. Ou melhor, o referido autor nos diz que se olharmos para a natureza observaremos na terra o guepardo, que alcança grandes velocidades para efetuar o ato da caça. Nos mares, o tubarão destaca-se por sua ferocidade ganhando o epíteto de rei dos mares. Assim como no ar, a águia pousa seu olhar sobre potenciais presas que a fazem deslizar pelos ventos com suas asas que talvez o homem jamais será capaz de copiar, tamanha é a desenvoltura do voo devido à aerodinâmica concebida pela natureza. Por outro lado, temos o pato, que é um animal que anda e corre desajeitado. Além disso, o voo não é seu melhor atributo. Para completar, ele suja com seus excrementos os locais por onde passa. Se formos, então, comparar as Polícias Militares brasileiras com um animal, tal cotejo pode ser visualizado exatamente pela imagem de uma instituição-pato, pois as Pm’s são desconsideradas pelo Exército por não realizarem os exercícios de ordem unida (que dizem respeito às manobras marciais militares e à construção do etiquetamento cotidiano do garbo policial militar) com a perfeição que o militarismo exige e, por não realizarem o ciclo completo de polícia. Nem polícia, nem militar! Ou ao melhor modo shakespeariano de mataforizar condições próprias da existência humana e social: “Ser ou não ser, eis a questão!”.

            No entanto, por essa lógica, aludo ao fato de que, compreender essa problemática ou querer fazê-lo, diz respeito a uma reflexão crítica e tomada de consciência sobre os processos que nos constroem em sociedade. Especialmente nas diversas instituições que nos cercam desde nossa vinda ao mundo. Neste caso, se falo destacadamente das PM’s, enalteço a condição de como seus agentes são formados e socializados, o que se traduz num regime pedagógico que cria uma certa “subjetividade militar”. Se a subjetividade pode ser vista como uma dimensão de nossas idiossincrasias e identidades, no campo do militarismo estamos a falar sobre pessoas que teem a crença numa voluntariedade por ter se transformado num policial militar e ainda compartilham um senso de honra que se transmuta num corporativismo febril e pendular: às vezes irresponsável, outras vezes capaz de ser prestativo à família dos reconhecidamente “irmãos de farda”.



            O que devemos ressaltar neste processo é como essa dita “subjetividade militar” caminha no sentido de uma objetificação de corpos e personalidades, e ainda é vista como um recurso adstringente do corpo e, de forma mais profícua da alma. Corpos que agem e almas que pensam coletivamente em defesa do bem supremo: manter a ordem e a paz social. Em meio a tudo, os custos são existencialmente pesados: supressão de opiniões, vontades, sentimentos, de dores, de lágrimas, criatividade, enfim. É um mecanismo que fragmenta a possibilidade de mudanças em nome da tradição, mantendo-se essa pelo enaltecimento do brio participativo pelo reconhecimento em estampas, símbolos e condecorações, não importando as concepções éticas ou anti-éticas que são desenvolvidas para o alcance dessas auto-afirmações.


Policial Pensador


          Por fim, destaco que ser um “policial pensador” é, acima de tudo, tentar “ser” na lacuna aberta por essa possibilidade ambígua da falta de identidade humana, já que ter honra num mundo de subjetividades construídas por imposição é esquecer que você não escolheu ser honrado, foi apenas ensinado! Mas quando envolto por lógicas que higienicamente nos conforta (Mary Douglas pode nos ensinar melhor sobre isso) em detrimento de quem não aceita limpar suas subjetividades, desenvolvem-se campos antagônicos que ratificam uma subjetividade militar que se considera superior ao tempo, ao espaço e, em muitos casos, à humanidade.

Artigo escrito por Fábio França, Capitão da Polícia Militar da Paraíba e Mestre em Sociologia pela UFPB

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