“Gente boa também mata”. Do que fala a campanha do Ministério dos Transportes?
A campanha “gente boa também mata”, lançada pelo Ministério dos
Transportes, Portos e Aviação Civil, causou polêmica e foi bastante criticada
nas redes sociais, especialmente pelas frases e imagens que trazia, por exemplo:
“Quem planta árvores pela cidade”, “Quem faz trabalhos voluntários”, “Quem
resgata animais na rua”, enfatizando que qualquer dessas pessoas pode matar. O que pode haver por trás dessa campanha?
Não sei se a intenção foi essa, mas ao colocar qualquer um
como potencial criminoso a campanha se filia, ou pelo menos pode ser associada, à teoria econômica do crime, de orientação
neoliberal e divulgada pela primeira vez por Gary Becker, em 1968. Segundo essa
teoria, as atividades criminosas podem ser cometidas por quaisquer indivíduos,
desde que sejam economicamente vantajosas, ou seja, se os custos (tempo de
prisão, por exemplo) forem menores que os ganhos advindos dessa atividade.
Se para o indivíduo que comete infração penal a teoria econômica do
crime tem, em tese, esse aspecto positivo de não ser estigmatizante ou
moralizante, ou seja, não construir a figura dos “monstros criminosos” (que, de
fato, não existem), ela tem consequências graves para as políticas de
segurança. No marco dessa teoria, a forma de identificação antecipada do crime e
do criminoso para fins de prevenção ocorrerá não mais através de fatores como
cor, raça ou quaisquer caracteres hereditários, como queria Cesare Lombroso, mas
com base em estatísticas e geoprocessamento, com cruzamento de horários e tipos
de crime.
"Gente boa também mata". Um dos cartazes da campanha do ministério do transporte |
No tocante à punição dos envolvidos com os crimes, isso gerará um
problema: haverá punição maior para aqueles indivíduos cujos grupos sociais são
identificados, através das inferências estatísticas, como participantes de “grupos
de risco”. Ou seja, no final das contas, aqueles que são mais abordados pela polícia
ostensiva e, logo, têm mais crimes identificados, terão mais fatores de risco
para aumento das penas de outros indivíduos do mesmo grupo. Assim, pobres e
moradores de periferias acabam sendo as maiores vítimas dessas novas políticas
de segurança pública, por terem um “perfil de risco”. Nada de novo no front
punitivista.
Para saber mais, ler:
DIETER, Maurício Stegemann. Política criminal atuarial: a criminologia do fim da história. Rio
de Janeiro: Revan, 2013.
FOUCAULT,
Michel. Nascimento da biopolítica.
São Paulo: Ed. Martins Fontes, 2008.
VIAPIANA,
Luiz Tadeu. Economia do crime: uma
explicação para a formação do criminoso. Porto Alegre: Age, 2006.
Eu creio que a campanha se refere ao fato de que, no trânsito, qualquer um pode matar, dolosa ou, como no mais das vezes acontece, culposamente. O autor do texto enveredou por um caminho bem diferente.
ResponderExcluir