Entre o crime organizado e os homicídios por arma de fogo

Um policial do estado do Ceará foi perguntado sobre a relação entre o crime organizado e o aumento de homicídios naquele estado. A resposta foi o artigo abaixo:

Associar, de forma simplificadora, o “crime organizado” ao aumento de homicídios no estado do Ceará é, na melhor das hipóteses, um equívoco. Na pior delas, é um discurso que serve para vender notícias sensacionalistas, fortalecer a ideia de um inimigo forte e impiedoso que necessita ser exterminado e, por fim, contribuir para o fenômeno que pode ser chamado de militarização da segurança pública.

É necessário dizer que a categoria “crime organizado” é extremamente vaga e, ainda assim, tem sido utilizada para dar conta, ao mesmo tempo e sem qualquer ressalva, de fenômenos tão distintos como a máfia italiana, a yakuza japonesa e os grupos de varejistas vendedores de drogas presentes em estados brasileiros, identificados sob outro termo equivocado, o “narcotrático”, que desconsidera o fato de que nem todas as substâncias psicoativas tornadas ilícitas são narcóticos.  

O que ocorre, na realidade, é que essa atividade de venda de drogas, enquanto tornada ilegal e sem qualquer controle ou regulamentação por parte do poder público, segue sendo extremamente lucrativa e não tem diminuído, apesar dos esforços das políticas de segurança pública utilizadas. É ela que patrocina a compra de armas, a diversificação das atividades para outros tipos de crimes e o próprio fortalecimento dos grupos que passam, de fato, a se organizar para obterem o monopólio do mercado supostamente proibido. A partir daí aparecem as siglas ou letras que, neste processo midiático-policial de divulgação, já se tornaram conhecidas dos cearenses.



Por falar em armas, é necessário dizer que o descontrole delas é o grande complicador do cenário da segurança pública brasileira. Qualquer policial sabe que a maioria das armas apreendidas no cotidiano das abordagens é formada por pistolas e revólveres de fabricação nacional. São armas inicialmente legais que depois, através de roubos, furtos ou outros processos não detalhados aqui, passam para a ilegalidade. São elas as utilizadas para cometer ações criminosas, principalmente a enorme quantidade de homicídios que atingem os moradores das periferias.

Em resumo, dois problemas são apresentados aqui. O primeiro é o falso proibicionismo causado pela “guerra às drogas”, que não diminui o comércio ou o consumo dessas substâncias, ocupa e sacrifica nossos policiais em uma política militarizada de combate e, por fim, causa mortes, muitas mortes. O segundo problema é decorrente do primeiro. Trata-se da orientação das políticas de segurança pública, ao longo de décadas, para a repressão do varejo. Essa orientação é responsável pelo descaso com a atividade de inteligência e o enfraquecimento das polícias civis, deixando as polícias militares sobrecarregadas e os caminhos das armas de fogo que matam sem qualquer investigação substancial.

Artigo originalmente escrito para o jornal O Povo


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