Lições de uma aula de segurança pública: qual o segredo dos países mais seguros do mundo?
Recentemente estive ministrando uma
aula para alunos do curso de formação de soldados da PM. A disciplina, de cunho
mais teórico, tratava de discutir causas, efeitos e soluções para os problemas
da segurança pública e da violência. Resolvemos fazer um exercício de discussão
sobre as soluções a partir das propostas advindas dos próprios alunos.
Um
primeiro aluno afirmou que o problema do aumento da insegurança eram as penas
brandas. Segundo ele, o Brasil é o “país da impunidade” e quase ninguém fica
preso neste país. A solução, então, era óbvia: aumento de penas, mais prisões e
“leis fortes”. Esse discurso, pela convicção que o aluno expressava, conquistou
muitos adeptos na sala. Parecia haver praticamente um consenso.
Iniciei
a discussão sobre aquela ideia. Pedi aos alunos que pesquisassem na internet,
em um site de buscas, em que posição o Brasil se encontrava em relação à taxa
de homicídios do mundo todo. Encontramos que, em 2015, o país ocupava o nono
maior índice do mundo, com 30, 5 crimes a cada 100 mil habitantes[1]. A
situação é realmente grave e soluções deveriam ser pensadas, inclusive ali mesmo, na sala de aula.
Procuramos,
então, a lista dos países mais seguros
do mundo. Encontramos o Índice Global da Paz, ou “Global Peace Index” (GPI), do
ano de 2017[2].
Este índice é uma lista feita a partir dos países mais seguros até os menos
seguros, avaliando 23 critérios, dentre os quais estão a percepção de
criminalidade da população, o acesso a armamento para a população, a taxa de
homicídios (a cada 100 mil habitantes), o número de presos por 100 mil
habitantes e até a capacidade nuclear do país.
A
lista dos 10 países mais seguros, segundo o GPI 2017, é a seguinte:
- Islândia - 1º
- Nova Zelândia - 2º
- Portugal - 3º
- Áustria - 4º
- Dinamarca - 5º
- República Tcheca - 6º
- Eslovênia - 7º
- Canadá - 8º
- Suíça - 9º
- Japão - 10º
A
primeira grande surpresa dessa lista foi a constatação de que os Estados
Unidos, propagados como exemplo para o Brasil, não estavam entre os 10
primeiros. Na verdade, eles estão na 114ª posição no ranking daquele ano. Lembrei
aos alunos que aquele país possui a maior taxa de encarceramento do mundo,
segundo o “World Prison Brief”, uma publicação do Instituto de Pesquisas em
Políticas Criminais da Universidade de Birckbeck, Londres[3].
Já Portugal, o 3º país mais seguro do mundo, está em 120º lugar quando se trata
de quantidade de presos por 100 mil habitantes.
Já
começava a surgir certa desconfiança sobre o encarceramento como caminho para
uma maior segurança do país. Devia haver outros fatores que levavam um país a
ser mais ou menos violento. Tentamos outra solução. Voltando aos países mais
seguros, pensamos em algo que fosse característica comum a todos. Lembramos o coeficiente de Gini, que serve
para medir a distribuição de renda entre a população de um país. Quanto maior é
o valor alcançado, mais desigual é o país. A Islândia, país mais seguro do
mundo em 2017, tinha o segundo menor Gini do mundo em 2015, ou seja, estavam na
posição 157, a penúltima posição em desigualdade. Portugal estava na posição 93
em 2014, trinta e quatro posições melhor colocado que os Estados Unidos, no 59º
lugar em 2013. O Brasil aparecia como o
décimo país mais desigual do mundo[4].
Estava evidente que a desigualdade social, embora não fosse a única responsável
pelos altos índices de violência e insegurança de um país, tinha papel
determinante. Desta forma, quaisquer políticas públicas, inclusive as de
segurança, deveriam ter como um de seus objetivos a redução das desigualdades e
da má distribuição de renda, que influencia diretamente em outros direitos. “Afinal
de contas”, concluiu um aluno, “uma vida que se perde na periferia pobre parece
não ter o mesmo valor de uma vida da área nobre”. De certa forma, as certezas
iniciais foram substituídas pela indignação pelo fato de, tão rapidamente,
chegarem a uma conclusão: é preciso reduzir as desigualdades sociais. Lembrei
ainda que, ao contrário do que um dos alunos indagara, reduzir desigualdades
não é “papo de comunista”. Pelo contrário, era um dos objetivos fundamentais da
República, previsto no inciso III do artigo 3º da Constituição Federal[5].
O
tempo da aula acabou, e saímos todos pensando em como seria bom se mais e mais
pessoas pudessem ter acesso a esses conhecimentos, para quebrar os argumentos
politiqueiros e falaciosos de alguns e, enfim, desmanchar os muitos “mitos” que
rondam o campo da segurança pública.
Que bacana. Peguei a estrategia e vou levá-la para sala de aula tambem
ResponderExcluir