Policial militar conclui doutorado e defende tese fardado. Confira entrevista.
O policial militar
Fábio França, atualmente no posto de capitão PM, defendeu, no dia 14 de
dezembro de 2014, sua tese de doutorado em sociologia pela Universidade Federal
da Paraíba. O interessante é que ele decidiu apresentar o resultado de sua
pesquisa utilizando o uniforme da corporação. Segundo ele, foi “para mostrar
que nas instituições policiais militares temos pessoas competentes e que também
já se fazem presentes no mundo acadêmico, até como forma de diminuir o
preconceito das pessoas quanto à ideia de que os policiais militares são apenas
truculentos e violentos”.
Na entrevista, o
oficial, que também é vocalista de uma banda de pop/rock, fala das dificuldades
que enfrentou para cursar a pós-graduação e explica um pouco sobre sua
pesquisa.
Confira a conversa
com o Policial Pensador.
Policial Pensador: Conte-nos
um pouco sobre sua história. Por que decidiu ingressar na Polícia Militar?
Fábio França: Ingressei na Polícia Militar aos vinte e dois anos de
idade como soldado, ou seja, era o ano de 2002. Assim como muitos jovens de
minha idade, à época eu trabalhava em uma indústria de refrigerantes e buscava
um emprego que me possibilitasse estabilidade financeira. Então foi com essa
perspectiva que abandonei o emprego na indústria e ingressei na carreira
policial militar. Como meu curso durara apenas quatro meses de formação, eu
acabei por fazer o concurso interno para sargento logrando êxito, o que mefez
passar apenas seis meses como soldado formado. Após quase nove meses no Curso
de Formação para Sargentos, obtive aprovação no vestibular para o Curso de
Formação de Oficiais e, tive apenas três dias de folga de um curso para o
outro. Não cheguei a me formar como Sargento, pois ainda faltavam três semanas
para o final do curso.
Capitão PMPB Fábio França defende tese de doutoramento fardado. (Foto: arquivo pessoal de Fábio França) |
Policial Pensador: E a carreira acadêmica? O que o levou a cursar
mestrado e doutorado?
Fábio França: O fato interessante é que quando cheguei no curso
para soldados em 2002, eu pedi para sair creio que na segunda semana,
exatamente porque eu observei que não me adequava ao modelo de disciplinamento
adotado pela instituição policial militar. No entanto, um amigo levou-me a permanecer
ao me relatar sobre as possíveis vantagens e por me incitar a vencer as
supostas fraquezas em não suportar estar ali, pois muitos também estavam na
mesma situação. Passados dois anos, quando cheguei ao CFO, comecei a questionar
os valores atinentes à formação policial militar e, prometi a mim mesmo que,
assim que eu terminasse o CFO empenharia-me em fazer um mestrado cujo tema
seria buscar entender qual teria sido a origem desse tipo de estrutura baseada
numa formação de cunho militar. Para tanto, ainda como cadete, passei a
conhecer a obra do Michel Foucault e, de pronto, ele foi um autor que aguçou
ainda mais a minha curiosidade a pesquisar no campo científico acerca de um
sistema que, segundo esse autor, tinha a capacidade de construir corpos “úteis”
e “dóceis”. Foi como se eu tivesse encontrado uma resposta plausível naquele
momento para o que me inquietava. Após formado, ainda demorei dois anos porque
tive que trabalhar no Sertão da Paraíba como Aspirante, mas logo de volta à
capital da Paraíba, João Pessoa, fiz a seleção do mestrado em Sociologia pela
Universidade Federal da Paraíba e fui aprovado, curso no qual participei entre
os anos de 2010-2012.
Policial Pensador: Quais as dificuldades enfrentadas por você,
policial militar,quando decidiu pensar e estudar?
Fábio França: As dificuldades principais sempre foram a falta de
tempo por conta do trabalho, pois fazer uma Pós-Graduação demanda dedicação,
concentração e tempo para leitura e pesquisa de campo. Além disso, pelo fato de
eu ter pesquisado minha própria profissão, sempre pairava um certo receio
quanto a alguma possível retaliação de superiores hierárquicos quanto à
incompreensão de se pesquisar e criticar o modus
vivendi dos policiais militares nas situações intra corporis.
Policial Pensador: Sobre o que fala a sua tese de doutorado?
Fábio França: No tocante à minha Tese de Doutoramento, eu a
intitulo SOB A APARÊNCIA DA ORDEM: Sociabilidade e Relações de Poder na
implantação da Polícia Solidária em João Pessoa-PB. A hipótese inicial que
levantei dizia respeito ao fato de que esses projetos de policiamento comunitário
que se proliferaram por todo o Brasil, tendo como ponta de lança, se assim
posso me expressar, as Unidades de Polícia Pacificadora no Rio de Janeiro,
ocultam uma sofisticação nas formas de controle social das classes pobres por
uma perspectiva em que o poder, segundo a concepção foucaultiana, tem caráter
positivo. Isso quer dizer que quanto mais o discurso de um policiamento
democrático se afirma, mais os policiais ganham espaço nas comunidades para
controlar as populações passando a ditar regras morais aos moradores tendo como
base para o que se entende por cidadania o disciplinamento militar que eles
adquirem nas casernas.
Policial Pensador: Por que você defendeu a sua tese vestindo o
uniforme da corporação?
Fábio França: Eu defendi a Tese fardado, o que causou estranheza
para alguns, foi para mostrar que nas instituições policiais militares temos
pessoas competentes e que também já se fazem presentes no mundo acadêmico, até
como forma de diminuir o preconceito das pessoas quanto à ideia de que os
policiais militares são apenas truculentos e violentos. Observo em meu
cotidiano e, eu mais do ninguém reconheço os erros existentes nas Corporações
policiais devido a fatores vários, a existência de muitos policiais que vêem
estudando e se especializando na área acadêmica em diversos campos, o que
futuramente pode ser o grande diferencial para legitimar a existência de uma
polícia mais democrática em nosso país. E no momento de minha defesa eu não
tinha como dissociar o pesquisador e o policial, pois os dois estavam ali
presentes, inclusive para dialogar com a banca que, quer queira quer não, ainda
mais pelo fato da Sociologia tratar-se de uma ciência de viés crítico, seja lá
o que isso enseja dizer, mostrou em certos momentos uma tendência em ver a
polícia como o mal a ser combatido. Sei perfeitamente que a existência de um
aparato policial por si mesmo é violenta, mas toda generalização torna-se
problemática quando colocada sob um prisma analítico.
Policial Pensador: Qual o seu conselho para os policiais que leem
essa entrevista?
Fábio França: Aconselhar é sempre delicado, pois não quero aqui ser
visto como um símbolo moralmente correto a ser seguido, mas creio que a
educação e o mundo acadêmico ainda são possibilidades que nos chegam para
desconstruirmos o que é dado e que assim possamos vislumbrar novas perspectivas.
Relações de poder e mecanismos ideológicos perfazem todas as instituições
sociais, inclusive as universitárias, no entanto, como policiais, termos a
chance de adquirirmos conhecimento para enxergarmos no óbvio um universo a ser
conhecido é um prêmio que não tem valor e, por ser inestimável, talvez seja o
caminho diferencial para a mudança de nossas instituições policiais.
Policial Pensador: Muito obrigado!
Parabeins
ResponderExcluirAo nobre CAP PMPB FÁBIO.
ResponderExcluirDignificas o policial militar brasileiro ao chegar academicamente nos píncaros da pesquisa e do conhecimento.
Passas a ser referência viva de que não há limites para quem não se deixa vencer pelas adversidades.
Parabéns DOUTOR.
Ao nobre CAP PMPB FÁBIO.
ResponderExcluirDignificas o policial militar brasileiro ao chegar academicamente nos píncaros da pesquisa e do conhecimento.
Passas a ser referência viva de que não há limites para quem não se deixa vencer pelas adversidades.
Parabéns DOUTOR.