Desfazendo mitos sobre a desmilitarização

A desmilitarização das polícias é uma demanda da maioria dos policiais militares brasileiros. Conforme pesquisa realizada pela SENASP em 2014, do total de 21.101 pesquisados, 80,9% defendem a existência de uma carreira única nas instituições policiais, com concurso único para ingresso na base da carreira e 73,7% defendem a desvinculação entre polícia e Exército (Veja aqui).  

O nosso modelo de polícia é criticado internacionalmente, como fez William Bratton, ex-chefe da Polícia de Nova York, quando esteve no Brasil. (Veja aqui)

No entanto, ainda há muitas dúvidas a respeito do que consiste a proposta de desmilitarização das polícias, sobrando espaço para boatos e mitos.

No mesmo contexto, há também pouco entendimento sobre a amplitude das mudanças que podem ser ocasionadas pela desmilitarização das polícias e da política, destacando-se sobre isso a fala de Marcelo Freixo e Ignácio Cano que, em artigo recente para o jornal O Globo, explicaram que:

A desmilitarização de que o Brasil precisa na área de segurança vai muito além da retirada do caráter militar das polícias militares e deve incluir também as polícias civis, as políticas de segurança em geral e o imaginário de muitos governantes e de parte da sociedade.
.

Vamos então tentar desfazer alguns dos mitos mais frequentes sobre a Desmilitarização.

1.    Desmilitarização não implica em diminuir a capacidade de resposta da polícia ou no policial trabalhar desarmado.

Desmilitarizar não tem relação com a diminuição da quantidade de armas utilizadas pelos policiais e não significa desarmamento. Nos Estados Unidos Existem grupos como as SWAT (Special Weapons and Tatics) dos departamentos de polícia que, apesar de civis, são treinados com o que há de mais moderno em armamento e técnicas para o serviço policial. No Brasil, o Comando de Operações Táticas da Polícia Federal (COT) e o Núcleo de Operações Especiais da Polícia Rodoviária Federal (NOE) são referências em grupos altamente treinados e bem equipados, apesar do aspecto civil das polícias a que pertencem.

Policiais no Núcleo de Operações Especiais (NOE) da PRF, uma polícia desmilitarizada e com carreira única. (Fonte: Fan Page do NOE/PRF)

 
Comando de Operações Táticas da Polícia Federal: Uma polícia civil. (Fonte: Veja)
2.    Desmilitarizar não significa acabar com a hierarquia e com a disciplina.

É do conhecimento de todos que a hierarquia e disciplina são pilares das instituições militares. O que muitas vezes não é falado é que hierarquia e disciplina existem em qualquer instituição pública. A Polícia Civil do Estado do Ceará, por exemplo, diz no artigo 4º do seu estatuto que a mesma é “Fundada na hierarquia e na disciplina e com observância estrita dos princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade, da finalidade, da motivação e do interesse público [...]”. (Veja aqui o estatuto da Polícia Civil do Ceará).

A hierarquia, que consiste no ordenamento da autoridade em graus distintos, gerando subordinação entre cargos, existe em todo o serviço público e continuaria presente nas polícias ostensivas, ainda que desmilitarizadas.

A disciplina ou poder disciplinar decorre da autoridade e da hierarquia e consiste no dever de obedecer aos regulamentos e ordens dos superiores hierárquicos. Também continuaria a existir no caso de mudança do regime militar para o civil.

3.    Desmilitarizar não significa trabalhar desuniformizado.

Com uma possível desmilitarização, as polícias permaneceriam uniformizadas, pois a missão de policiamento preventivo demanda a utilização de meios ostensivos de reconhecimento por parte da população. Já temos exemplos de polícias uniformizadas e civis, como as guardas municipais e a Polícia Rodoviária Federal.

4.    A Desmilitarização não permitiria maior influência política na polícia.

Muito pelo contrário. Com o modelo militar, o policial acaba diminuindo o seu poder de contestação, já que não pode se sindicalizar ou mesmo exercer com plenitude o seu direito de liberdade de expressão, o que impede o fortalecimento da instituição e favorece a intromissão política. Com a desmilitarização, a força da instituição seria aumentada, já que a mesma poderia contar com seus sindicatos e mesmo com a voz de seus membros para defender suas tradições, diminuindo a influência dos políticos de plantão na modificação de uniformes, costumes e legislação das corporações.

5.    A Desmilitarização não diminui direitos dos policiais

Na verdade, a mudança beneficiaria milhares de policiais, que obteriam uma série de direitos trabalhistas, como o de não ser preso administrativamente (Veja o caso do bombeiro preso por não aceitar fazer serviço de pedreiro) e o de contar com carga horária definida. Atualmente, apenas as polícias militares do Distrito Federal e Minas Gerais aboliram a prisão disciplinar, e a maioria das polícias militares ainda não tem carga horária de trabalho definida para seus policiais.


O Policial Pensador acredita que a discussão sobre a desmilitarização da polícia é salutar e deve ser travada por todos os policiais, bem como pela sociedade em geral, inclusive no Congresso Nacional, através das diversas propostas que lá tramitam. 

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