Os militares das olímpiadas e a militarização da segurança pública

Durante as olimpíadas, ficamos encantados com o desempenho dos atletas e, em especial, dos atletas brasileiros. No caso de uma medalha conquistada, a emoção de ver um representante do país no pódio é indescritível. Nos últimos anos, os brasileiros passaram a ver alguns de seus representantes nas grandes competições prestando continência ao receberem suas premiações, indicando, através daquela peculiar saudação militar, que agora representavam também as Forças Armadas do país.

Atletas prestam continência durante os Jogos Panamericanos de Toronto, em 2015


Não é o objetivo deste texto causar polêmica sobre o gesto solene (como fez um artigo da Carta Capital), que é devido àqueles atletas que são militares. Os atletas, ainda que temporariamente, são militares e beneficiários do Programa de Incorporação de Atletas de Alto Rendimento às Forças Armadas, uma espécie de bolsa ou cota para atletas que já se encontram em nível excepcional, mas sem o patrocínio e o apoio necessário da iniciativa privada. Segundo o próprio site do programa, que foi criado em 2008 (durante o governo Lula), em parceria com o Ministério do Esporte, “o processo de seleção leva em conta os resultados dos atletas em competições nacionais e internacionais. Dessa forma, as medalhas já conquistadas na carreira transformam-se em pontuações nos concursos para preenchimento das vagas”. Isso permite que esses atletas recebam salários, assistência médica e outros benefícios semelhantes aos militares de carreira. Além disso, também têm acesso às instalações e equipamentos militares.

Esclarecidos os pontos sobre os militares das olimpíadas, passamos então à questão que nos inquieta: a militarização da segurança pública. Esta não produz medalhistas olímpicos como os que prestam continência no pódio. Policiais militares não têm sequer carga horária de trabalho definida, sendo comuns as jornadas de trabalho extenuantes e até desumanas. Além disso, essa política de segurança tem causado doenças mentais nos agentes de segurança pública, inclusive muitos casos de suicídios de policiais. Ela produz ainda mortes como a do soldado Hélio Andrade, a serviço da Força Nacional, atingido no último dia 10 de agosto, durante um ataque à viatura em que estava, no complexo de favelas da Maré, Zona Norte do Rio de Janeiro. Essa estratégia de conduzir a segurança pública como uma guerra tem garantido ao Brasil o topo do pódio das mortes no mundo inteiro. Temos uma política letal, tanto para policiais quanto para a população mais pobre do país, e não será com uma declaração de luto oficial que mudaremos este quadro.


Além disso, é necessário dizer que o aspecto militar de forças policiais e o uso contínuo das Forças Armadas em ações de segurança pública, confunde a função de policiamento ostensivo, que é eminentemente civil. David H. Bayley, em seu livro “Padrões de Policiamento”, explica o desenvolvimento da polícia moderna, mostrando que:

Um aspecto importante da especialização da polícia foi a remoção dos militares da manutenção da ordem interna. Uma vez que as unidades militares também defendem as comunidades externamente, seu uso dentro do país, que ocorreu historicamente em praticamente todos os lugares, representa uma especialização imperfeita do policiamento. (BAYLEY, 2006, p. 53).

Ao invés de manter uma política de segurança baseada no mero enfrentamento, como se fosse uma guerra, é necessário pensar em estratégias mais inteligentes. O fim da “guerra às drogas” parece ser uma boa medida, pois além de estabelecer o controle do Estado sobre a produção, o comércio e o consumo das chamadas “drogas ilícitas”, permite que a polícia se concentre em outras atividades pouco investigadas, a exemplo do tráfico de armas, que são adquiridas justamente com o dinheiro oriundo da venda de drogas e que chegam às mãos dos criminosos por meios desconhecidos.

As políticas de públicas de segurança necessitam urgentemente de uma mudança de foco. Uma pesquisa recente do IPEA mostrou que a cada 1% a mais de jovens nas escolas, os homicídios caem 2%, deixando completamente explícita a melhor estratégia para termos um país mais seguro e com menos desperdício de vidas, que poderiam ser nossos próximos medalhistas olímpicos (com continência ou não) se tivessem o apoio correto em educação, esporte, lazer e cultura desde a infância.

REFERÊNCIAS


BAYLEY, D. H. Padrões de policiamento. Tradução de Renê Alexandre Belmonte. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2006.

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7 comentários to ''Os militares das olímpiadas e a militarização da segurança pública"

Comentarios
  1. Excelente texto! Sem dúvida é necessário entender a realidade dos fatos que cercam a participação de "militares" brasileiros nas olimpíadas. Se faz necessário também fazer este paralelo entre a real situação dos militares no nosso país. A polícia que mais mata (principalmente em nome da guerra as drogas) também está entre as que mais morre, sofre com carga horária exaustiva de trabalho e tem seus direitos restringidos. Não podemos fechar os olhos para esta realidade nem deixar de entender a problemática que permeia o assunto. Muito bom!

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  2. Pensar o problema social em sua estrutura dentro de uma totalidade é, sem dúvidas, a solução mais eficaz e efetiva. Muito bom!

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  3. É ação afirmativa para q o atleta possa dedicar-se exclusivamente a sua atividade, espécie de "patriacinio" não podemos esquecer q não são militares de carreira....estão militares e não são militares. No entanto, foi uma boa jogada da nação e do Governo do Sr. Pres. Luis Inacio Lula da Silva.

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  4. É ação afirmativa para q o atleta possa dedicar-se exclusivamente a sua atividade, espécie de "patriacinio" não podemos esquecer q não são militares de carreira....estão militares e não são militares. No entanto, foi uma boa jogada da nação e do Governo do Sr. Pres. Luis Inacio Lula da Silva.

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