Os municípios e a segurança pública: sugestões de atuação

Há muitos equívocos no campo da segurança pública brasileira. Um exemplo é a falta de compreensão do que significa exatamente esse conceito, já que o artigo 144 da Constituição Federal, nunca regulamentado, não a define exatamente, limitando-se a dizer que ela é “dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio”. Aqui, um dos equívocos mais comuns: há quem pense que a palavra “Estado”, citada neste capítulo da Carta Magna, refere-se aos estados-membros da federação, quando, na verdade, o termo aqui designa o ente público, o governo, seja ele no âmbito da União, dos estados e dos municípios. A partir dessa compreensão errônea, diz-se que a segurança pública é encargo dos estados, desconsiderando, desta forma, o papel dos municípios.

Das três esferas governamentais, é o município que está mais próximo do cidadão. É no espaço das cidades que o poder público pode impactar diretamente a vida das pessoas através da implantação de suas políticas. Assim ocorre na educação, na saúde e na assistência social, por exemplo, onde o município possui atribuições bem definidas e os sistemas unificados funcionam razoavelmente, ao menos em teoria. Na segurança pública, não deveria ser diferente.

Como já foi dito, o capítulo da Constituição Federal que trata da segurança é impreciso. Nele, o município figura textualmente apenas no §8º do artigo 144, que trata do papel das guardas municipais. Essas corporações são responsáveis pelos bens, serviços e instalações existentes no município e  podem ou não ser implantadas pelo poder público, sendo, portanto, facultada aos municípios a sua criação. As guardas cada vez mais ganham espaço nas discussões sobre segurança, tendo as suas atribuições ampliadas e alcançando reconhecimento público, especialmente com o advento da Lei nº 13.022, de 8 agosto de 2014. Elas devem, portanto, ter valorização profissional compatível com sua importância no novo cenário da segurança municipal. É importante lembrar ainda que a filosofia que orienta as guardas não deve ser a do “combate”, tal como se fossem militares em uma guerra. O foco deve ser a proximidade e o contato com o cidadão, o bom atendimento ao público, a orientação para a cidadania e a mediação de conflitos.

Guarda Municipal de Contagem

Já se sabe que os problemas relacionados à violência nas cidades não são resolvidos apenas com a presença de policiamento, quer seja ostensivo ou investigativo. É preciso proporcionar uma cidade segura para viver e é aí que os municípios entram de forma complementar aos estados e ao governo federal. Segurança não é apenas a ausência de crimes. Segurança tem estreita relação com a proteção que o poder público dá ao cidadão. Por exemplo, a certeza de que irá receber um bom atendimento médico, caso esteja doente ou sofra um acidente, e ainda, de que receberá algum auxílio financeiro  do governo caso, após esse fato, esteja impossibilitado de sustentar a si e sua família; educação, saneamento básico e infraestrutura urbana também têm relação com a segurança, neste sentido. Não proporcionar tais serviços de forma satisfatória constitui uma violência do Estado contra o cidadão e promove insegurança social.

Assim, o Policial Pensador apresenta mais algumas propostas para os municípios que desejam contribuir com a segurança pública:

1.            Ocupar o espaço público com artes, esportes, lazer e cultura é muito melhor que apoiar medidas de recolhimento, também chamadas de “toque de recolher”. Com ruas, praças e jardins ocupados com essas atividades, especialmente no horário noturno, a juventude terá opções e, ao mesmo tempo, haverá mais confiança de locomoção por parte de todos os munícipes.

2.            Uma cidade segura deve contar com limpeza e infraestrutura urbana.  Não se trata de adotar a falaciosa “teoria das janelas quebradas” que, num mecanicismo sem qualquer comprovação, acredita que mantendo um ambiente limpo e coibindo pequenos delitos não haverá crime na cidade. Essa falsa teoria acabou fundamentando políticas de segurança fracassadas, como a chamada “Tolerância Zero”. A boa iluminação urbana, a eliminação de áreas desocupadas e de terrenos abandonados e cobertos por matagal, bem como a limpeza periódica das ruas evitam a sensação de abandono e aumentam a segurança subjetiva da população, ou seja, a sensação de menor risco de sofrer danos.

3.       O trânsito também faz parte da segurança pública, especialmente após a Emenda Constitucional nº 82, de 16 de julho de 2014. Neste campo, o papel do município é fundamental. É preciso democratizar o acesso à cidade, com transporte público de qualidade. Isso significa que ônibus, trens, metrôs e quaisquer outras modalidades de transporte devem chegar principalmente nas áreas periféricas da cidade em quantidade suficiente para que os cidadãos possam se deslocar com rapidez e conforto a qualquer parte da cidade. A educação para o trânsito também deve ser uma prioridade, já que uma grande parte da violência urbana tem relação com os acidentes ocorridos durante os  fluxos de veículos e pedestres nas vias da cidade.  

4.         Espaços democráticos de participação devem ser criados. Neste sentido, a intersetorialidade deve ser uma palavra de ordem. Os chamados GGI’s – Gabinetes de Gestão Integrada, que integram as instâncias e agências do poder público com a sociedade civil, devem funcionar efetivamente. Os órgãos municipais devem abastecer de informações e mesmo de demandas as demais esferas governamentais, debatendo os problemas do município e, principalmente, permitindo que a voz dos movimentos sociais e dos cidadãos seja ouvida. 

Há ainda muito a ser dito sobre a segurança pública no âmbito nos municípios e o Policial Pensador não tem a pretensão de esgotar o assunto. Esperamos apenas fomentar o debate e para que novas sugestões possam ser apresentadas. A solução para os problemas de (in)segurança da cidade passa necessariamente pela opinião e participação da maior quantidade de vozes que for possível.

#Compartilhar:

2 comentários to ''Os municípios e a segurança pública: sugestões de atuação"

Comentarios
  1. As medidas preventivas em segurança como o acesso a educação e emprego são as melhores formas de garantir a segurança pública. No entanto quando isso não é possível depende - se do policiamento ostensivo e de um sistema judiciário eficaz. Temos que pensar nas cadeias como espaço de resocializacao e aprendizado. Mas infelizmente a maioria delas não cumpre seu papel.

    ResponderExcluir
  2. Este comentário foi removido por um administrador do blog.

    ResponderExcluir

‹‹ Postagem mais recente Postagem mais antiga ››