Por que recomendo o livro “A Elite do Atraso” a policiais
Acabei de ler, recentemente, o livro “A
Elite do Atraso”, escrito pelo sociólogo Jessé Souza. Durante a leitura,
pensava o tempo todo em como seria bom se outros policiais pudessem ler tal
obra, o que me levou a escrever este texto, com o intuito de apresentar os
motivos que me levam a fazer tal recomendação aos companheiros operadores de
segurança pública.
Em primeiro lugar, vale elogiar o
autor, que não tem hesitado em produzir interpretações que ajudam a compreender
o Brasil contemporâneo, mesmo enfrentando os grandes clássicos da sociologia
nacional. Seus livros (A Ralé Brasileira, A Radiografia do Golpe, A Elite do Atraso e a
Classe Média no Espelho) alcançam o equilíbrio entre o bom
conteúdo acadêmico e político e a linguagem fácil. Assim, suas ideias tornam-se
acessíveis a muitos outros brasileiros além daqueles que conseguiram ingressar
em uma universidade. É o caso de A Elite do Atraso, que passamos a
comentar.
No livro, o autor se propõe basicamente
a duas tarefas. A primeira é a de criticar dois conceitos que estão
presentes em diversas interpretações do Brasil: o de patrimonialismo e o de
populismo que, para o autor, compõem o culturalismo racista brasileiro. A segunda
tarefa é, como em suas outras obras, a de oferecer uma interpretação
alternativa da realidade.
Para o sociólogo, o culturalismo
racista acaba se tornando a explicação dominante sobre os motivos do Brasil ser
como ele é atualmente. Jessé Souza identifica Sérgio Buarque Holanda,
especialmente em seu clássico livro Raízes do Brasil, como o grande
arauto do liberalismo conservador brasileiro, de cunho racista porque, entre
outras coisas, oculta o grande problema histórico do país, que é a desigualdade
social que remonta à escravidão.
A característica de homem cordial,
por exemplo, criada por Sérgio Buarque para designar a alma do brasileiro,
seria como uma semente portuguesa que germinou e deu seus frutos por aqui
desde o período colonial. Essa característica seria a responsável pela ação dos
brasileiros sempre com base em emoções (ódio, amor, amizade etc.) e não na
razão. Neste sentido, “o brasileiro” agiria com o coração (o termo cordial é oriundo do vocábulo cordis, em
latim, cujo significado remete a cordas ou ao coração). Perceba o leitor que
quando se fala “o brasileiro” não se faz uma distinção de classe ou raça. Fica
parecendo, assim, que tanto os mais ricos do país quanto os mais pobres
padecemos do mesmo mal e, por isso, estamos no mesmo barco. Nada mais falso que
isso, não é mesmo? Pois bem, esse mesmo homem cordial é a origem, em nível individual, do
patrimonialismo, noção usada para designar a forma pela qual aquele homem trataria a coisa pública como se fosse
privada, não delimitando bem as fronteiras entre uma coisa e outra. Daí o
problema central do conservadorismo ser supostamente a corrupção do Estado
patrimonialista, explica Souza.
O segundo conceito
atacado por Jessé Souza é o de populismo. Esse conceito é produzido em
complemento ao de patrimonialismo, pois tem como objetivo minar a autoestima
dos mais pobres, fazendo com que os mesmos abracem a falsa causa do
patrimonialismo em detrimento da melhoria da vida de sua classe social, como
explica o autor:
A noção de populismo,
como mecanismo de deslegitimação dos interesses populares, sob a forma de uma
reação liberal à entrada das massas trabalhadoras na política, tem aqui seu
nascimento histórico. Como os interesses das massas são diferentes, a forma de
deslegitimá-los é negar-lhe a racionalidade (SOUZA, 2019, p. 130).
Esse ponto é que, para mim, toca muito
em cada um dos profissionais de segurança pública. A maioria de nós veio de
camadas pobres da população. E até hoje, com exceção de alguma categoria
minoritária, chegamos, no máximo, à base da classe média. O cargo público,
conquistado com esforço, foi a chance de ascensão social para muitos de nós e
de nossas famílias. A honestidade é outro valor fundamental para nós, que
trabalhamos para fazer cumprir as leis. Assim, fica parecendo impossível
assumir outro discurso que não aquele de combate à corrupção como único
objetivo a ser alcançado pela política. Desta forma, alguns acabam sendo
capturados por mitos ou supostos justiceiros que, obviamente, são falsos.
O livro de Jessé Souza oferece, então,
uma interpretação que é uma saída para esse dilema. Ele aponta a necessidade de
conhecermos de onde viemos. A origem indígena, negra e mestiça que constitui a
classe trabalhadora brasileira, sempre explorada e desprezada. Mostra que a
grande corrupção a ser combatida é, por exemplo, causada pelas grandes fortunas
sonegadoras de tributos que, por sua vez, poderiam ser utilizados para melhorar
a vida dos mais pobres. Tais fortunas estão bem longe do serviço público, ainda
que, sem dúvida, haja também corrupção entre parlamentares, magistrados,
governantes e outros atores públicos das cúpulas estatais.
Finalizando sua obra, Souza oferece uma
imagem que todos os policiais entendem. Para ele, os políticos corruptos são
apenas como aviõezinhos de drogas, necessários, mas substituíveis pelo grande
tráfico, representando os interesses desonestos das grande elites empresariais e
bancárias que operam historicamente contra as reais necessidades do povo
trabalhador brasileiro, muitas vezes utilizando teorias e explicações falsas.
Essa seria a verdadeira elite corrupta, que provoca o atraso do Brasil.
REFERÊNCIA:
SOUSA, Jessé. A elite do atraso.
Rio de Janeiro: Estação Brasil, 2019.
Anderson parabéns pelo texto, estava preocupada com vc sumiu do Facebook espero que esteja bem
ResponderExcluirDeus te abençoe