Projeto de lei que quer extinguir regime semiaberto cita indevidamente livro de juiz e pode ser inconstitucional
Como se não bastasse o
MBL ter apresentado dados incorretos para defender a extinção do cumprimento de pena
em regime semiaberto, fato demonstrado pela Agência Pública, o próprio projeto
de lei (PL 3174/2015) defendido por eles possui vários erros, faz citações
fora do contexto em sua justificativa e pode até ser inconstitucional.
Luis Carlos Valois (fonte: página pessoal no Facebook) |
É o que afirma Luis
Carlos Valois Coelho, juiz da Vara
de Execuções Penais do estado do Amazonas, mestre e doutor em direito penal e
criminologia pela USP e porta-voz da Associação dos Agentes da Lei
Contra a Proibição – LEAP BRASIL. Ele teve um parágrafo de sua dissertação de
mestrado citado indevidamente e comunicou, em sua página oficial no Facebook, o
envio de ofício ao deputado federal Giovani Cherini, filiado ao PR do Rio
Grande do Sul, autor do que o juiz chamou de "despropósito". Confira o texto:
Senhor deputado,
Tendo tomado conhecimento do projeto de lei de autoria de Vossa Excelência, subscrito por outros deputados, que, entre algumas alterações no regime de cumprimento da pena privativa de liberdade no Brasil, sugere, basicamente, o aumento de rigor no cumprimento das sanções e a extinção do regime semiaberto, e uma vez que a justificativa desse projeto utiliza texto de minha autoria para fundamentar a necessidade de se acabar com o regime de semiliberdade, cumpre esclarecer o seguinte:
O texto citado por Vossa Excelência, de minha autoria,
é um parágrafo de minha dissertação de mestrado pela Universidade de São Paulo
– USP, publicada em livro, com o título “Conflito entre ressocialização e o
princípio da legalidade penal”, onde em nenhum momento defendo a extinção do
regime semiaberto, principalmente agravando-se o tempo de pena a ser cumprido
em regime fechado, como proposto no projeto.
Muito pelo contrário, o regime semiaberto, como
explicado na pesquisa, deve ser mantido sempre que o tempo de pena for longo, vez
que as penas privativas de liberdade no Brasil tiveram seu tempo ampliado desde
as Ordenações justamente para se encaixar medidas penais como o regime
semiaberto, razão pela qual, extingui-lo, para agravar o tempo de pena no
regime fechado, é um equívoco científico, histórico e político.
Por óbvio, há críticas a serem feitas ao regime
semiaberto, a maioria delas igualmente aplicáveis ao regime fechado, muitas
dessas críticas expostas no trabalho acima citado, mas o regime semiaberto
ainda causa muito menos reincidência do que o próprio regime fechado, é motivo
de esperança do preso com penas longas, estimulador de bom comportamento e
elemento que traz o mínimo de dignidade para a execução penal no Brasil, visto
que o comum são prisões superlotadas, com doenças, mortes, violadoras da
própria lei que disciplina a sanção penal.
Apenas para exemplificar o grande prejuízo que tal
projeto de lei pode causar para a sociedade, com o aumento de crimes e o
agravamento da violência no meio social, Vossa Excelência pode imaginar a
situação de um preso, depois de cumprir anos de pena em regime fechado, sendo
abruptamente solto, sem ingressar no regime semiaberto, direto de uma
penitenciária de segurança máxima para o convívio social.
Tal situação é de fácil conjectura. O sistema
penitenciário é violência pura, nossas prisões estão na mais inteira
ilegalidade, com muito pouco controle disciplinar por parte do Estado. Fazer
com que um preso passe quinze, vinte anos em uma prisão assim, para sair de
forma súbita, sem passar pelo regime semiaberto, é fechar os olhos para a
realidade.
Por certo, como dito, o regime semiaberto tem inúmeros
inconvenientes, principalmente causados pelo abandono constante por parte das
autoridades administrativas, mas ainda é um regime de semiliberdade, onde o
preso pode ser observado antes de obter a liberdade definitiva. É um regime que
permite, mesmo em penas longas, um contato institucional com o preso após o
período de regime fechado.
Muitos outros dados da justificativa apresentados
poderiam ser contestados, principalmente o número de fugas no regime
semiaberto, que não condizem com a realidade. São dados de fácil erro, porque
os estabelecimentos penais costumam computar como fuga um ou dois dias de falta
do preso no regime semiaberto, quando o apenado é autorizado a visitar a
família, mas tal dado, evidentemente não pode ser considerado fuga e é mais uma
prova de que o preso, no regime semiaberto, tem um controle importante antes de
ser definitivamente solto e voltar ao convívio social, o que não haveria se o
preso fosse solto direto do regime fechado, como pretendido no projeto de lei.
Prisão em regime fechado, Excelência, não diminui a
criminalidade, mas a fomenta. Relegar a questão da criminalidade a deixar
milhões de pessoas esquecidas nesses estabelecimentos penais para que morram ou
esperem a pena acabar, destruídos, embrutecidos, é agravar a criminalidade.
Poderia também ressaltar que o Supremo Tribunal
Federal já considerou inconstitucional a pena a ser cumprida integralmente em
regime fechado, com livramento condicional aplicável com dois terços da pena,
razão pela qual o projeto, que pretende estipular até quatro quintos da pena em
regime fechado, é evidentemente inconstitucional, pois pretende um cumprimento
de pena em regime fechado até maior do que aquele previsto quando a Lei de
Crimes Hediondos foi sancionada, antes da inconstitucionalidade ser reconhecida
pelo STF nesse ponto.
No entanto, reservo-me à referência de trecho de
trabalho de minha autoria, citado equivocadamente, como podem ter sido
equivocadamente coletadas as demais informações da justificativa. O regime
semiaberto não é impunidade, a pena executada nesse regime, às vezes, é até
mais grave do que no regime fechado, mas é, principalmente, um regime que
mantém o estímulo ao bom comportamento do preso no regime fechado e evita que o
sentenciado seja solto de forma abrupta de uma penitenciária de segurança
máxima para a sociedade.
Assim, solicito de Vossa Excelência que seja feita a
devida retificação nas justificativas do projeto de lei apresentado, se futuras
análises não indicarem definitivamente o seu equívoco, solicitando ainda que
cópia do presente ofício seja encaminhada aos demais subscritores.
Sem mais, apresento protestos de consideração.
LUÍS CARLOS VALOIS COELHO
Juiz da Vara de Execuções Penais do Amazonas /Mestre e doutor em direito penal
e criminologia pela USP
Resta ainda uma última indagação, feita por este Policial Pensador: o que deputados do Partido dos Trabalhadores (PT), como Maria do Rosário e Paulo Pimenta, fazem assinando esse famigerado projeto?
Sem Comentario to " Projeto de lei que quer extinguir regime semiaberto cita indevidamente livro de juiz e pode ser inconstitucional "